quinta-feira, 22 de abril de 2010

A busca da felicidade

Augusto Burnier


Introdução:

Inicio essa investigação preliminar tendo como fim encontrar uma justificativa única e inabalável para a existência do Direito. Reconheço que essa tarefa possa se revelar improfícua para alguns, por se tratar de assunto balisar para o estudo do Direito. Parto do pressuposto que o estudo dos conceitos básicos, apesar de apenas manifestarem o óbvio, criam um alicerce robusto para o empreendimento de estudos avançados.

Para encontrar a justificativa que procuro, parto do pressuposto de que as pessoas resguardam sua existência no que chamamos de bem viver. Analiso essa premissa e indico a felicidade como o objetivo de todos que querem viver bem e como isso repercute na existência em sociedade. Assim, identifico a necessidade de regras e regulamentos, qual seja o propósito da Justiça. Por fim, analiso superficialmente a relação entre Direito e Moral e finalizo com a exposição das classes de normas.

Ignorarei os ditames técnicos para trabalhos acadêmicos, por não se tratar efetivamente de tal, mas tão somente de uma organização de pensamentos e observações.

O bem viver:

A vida é feita de escolhas e ações que realizamos visando a um determinado fim. Assim é que, para aquele que escolhe e se dedica à música, sua finalidade, de certo, só pode ser a boa música; também, para aquele que escolhe e se dedica à medicina, sua finalidade só pode ser a boa medicina; e isso é valido para todas as artes, ciências e ocupações.

É importante considerar que o indivíduo é livre para preencher seu tempo da forma que melhor lhe aprouver. Não se pode obrigar o indivíduo a perseguir determinada finalidade, ou mesmo incitar-lhe na consciência o dever de realizar uma atividade de acordo com o que chamamos de trabalho regular. Assim sendo, consideramos que as pessoas que se dedicam a ocupações como a administração doméstica, a observação dos fatos cotidianos, a propagação espiritual desvinculada de qualquer instituição religiosa, o humor etc., são igualmente capazes de alcançarem o bem viver, posto que o bem viver relaciona-se pouco com o conteúdo do ofício.

Se a vida é uma consecução de escolhas e ações visando a um resultado, a boa vida está destinada àqueles que alcançam um bom resultado. Entendemos que aqueles que se dedicam a algo sem visar a um bom resultado, ou mesmo aqueles que a nada se dedicam, manifestando uma existência indolente ou apática, não podem viver uma boa vida, mas, quando muito, uma vida medíocre.

Entendemos, entretanto, não ser possível dizer que vive uma boa vida aquele que é bom em seu ofício, como se a excelência em uma arte, ciência ou ocupação automaticamente conduzisse-o à condição de bem viver. Outrossim, também não parece plausível dizer que aquele que, apesar dos esforços, não alcança a excelência em seu ofício vive uma má vida.

Com efeito, não é a excelência em si o que caracteriza a boa vida. As pessoas não buscam a excelência para viverem bem, mas são excelentes em seu ofício visando a outro fim, a saber, a satisfação pessoal ou o reconhecimento de seus méritos ou esforços. E a isso podemos chamar de felicidade. Escolhemos e agimos bem para sermos felizes, e regozijamos a felicidade para suportarmos a existência humana, pois que a felicidade é fonte de perseverança. O infeliz não persevera, teima; e por isso, identificamos a felicidade com o bem viver.

Limitar a felicidade ao prazer mostra-se infrutífero, uma vez que o prazer, por si, é algo fugaz, e não se pode chamar de feliz a pessoa que busca incessantemente o prazer como se fosse viciada. Assim é que a felicidade está relacionada não ao prazer que se sente quando se realiza algo, mas à satisfação de realizar esse mesmo algo. Assim é que dizemos que o prazer, por si, não satisfaz, enquanto que a satisfação, por si, é algo prazeroso.

Existem pessoas que apesar de realizarem as melhores escolhas e ações não podem ser chamadas de felizes, e isso acontece porque a felicidade não depende apenas do bem escolher e do bem agir. Aristóteles asseverou que “de fato, o homem de muito má aparência, ou mal-nascido, ou solitário e sem filhos, não tem muitas probabilidades de ser feliz, e tê-las-ia ainda menos se seus filhos ou amigos fossem extremamente maus, ou se a morte lhe houvesse roubado bons filhos ou bons amigos”. E continua: “o homem feliz parece necessitar também desse tipo de prosperidade, e é por isso que algumas pessoas identificam a felicidade com a boa fortuna, embora outros a identifiquem com a virtude”. Consideramos que as observações do estagirita, ressalvadas as óbvias e devidas adaptações, é pertinente de se aplicar aos tempos atuais.

O bem viver em sociedade = Justiça:

Identificamos que ao bem escolher e bem agir sucede a satisfação de ter escolhido e agido bem e isso leva à felicidade. Também, a satisfação pessoal pode resultar do reconhecimento recebido pelos méritos da boa escolha e boa ação, ou pelo reconhecimento recebido pelo esforço em bem escolher e bem agir; e ambos conduzem à satisfação, embora o segundo não conduza a excelência.

Identificamos ainda, que a satisfação, por si, não leva à felicidade, pois mesmo a mais satisfeita das pessoas pode ser vítima de infortúnios que lhe arruínem a alegria de viver. Passemos agora para a análise da relação entre a felicidade própria e a felicidade alheia.

Foi dito que cada um é livre para escolher o motivo de sua felicidade e se esforçar para obtê-la. Também é sabido que o ser humano, por natureza, tende a viver em sociedade. Quando os indivíduos buscam sua felicidade a despeito da felicidade alheia, observa-se que frequentemente seus interesses colidem, principalmente quando a felicidade de um depende da infelicidade de outro.

Buscar a própria felicidade levando-se em consideração a felicidade alheia é a única forma de os indivíduos viverem em sociedade, pois, caso contrário, o corolário lógico será que os mais fortes subjugarão os fracos. Assim sendo, os fortes serão felizes e os fracos infelizes.

Todavia, se é certo pensar que as pessoas buscam a felicidade a qualquer custo, é lógico imaginar que os fracos buscarão se tornarem fortes e inverterem a situação. O cenário que se apresenta é um cenário de constantes guerras e revoluções sociais, e a história não desmente isso.

Uma sociedade que permita uma diferenciação entre fortes e fracos é uma sociedade em parte feliz, e em parte infeliz, portanto, não se pode dizer que essa será uma sociedade inteiramente feliz.

Se, então, é possível conceber uma felicidade para cada indivíduo, é igualmente possível conceber a existência de uma felicidade para toda a sociedade, o que chamaremos de felicidade comunal.

Se a finalidade da sociedade é permitir a coexistência pacífica entre seus integrantes, toda sociedade deve partir do princípio da auto-suficiência moral, o que significa dizer que toda sociedade tem como objetivo perpetuar-se no tempo. Assim sendo, se cada pessoa busca sua própria felicidade, a sociedade, enquanto conjunto de indivíduos, deve buscar a felicidade para todos.

Todavia, redundamos na questão em que a felicidade de um depende da infelicidade de outro, o que ocorre, por exemplo, quando duas pessoas ambicionam um objeto único e indivisível. Quando esse conflito de interesses acontece, não se pode permitir que os próprios indivíduos resolvam essa disputa, pois frequentemente o forte subjugará o fraco, e à lei do mais forte chamaremos de Caos, pois a tendência é que o fraco busque ser forte e isso leva a uma interminável disputa de poder, o que empana a felicidade comunal.

Aristóteles observou que “os homens procuram retribuir o mal com o mal (e se não podem fazê-lo, sentem-se reduzidos à condição de escravos)”, e se isso for permitido o caminho possível será o Caos. É preciso que haja uma força a mediar os conflitos e quebrar o ciclo vicioso de que maldade gera maldade, violência gera violência.

As partes envolvidas só conseguirão resolver sua disputa sem recorrerem à primazia do mais forte se forem pessoas sofisticadas para tanto, e nenhuma sociedade é composta unicamente de pessoas moralmente evoluídas. Como conseqüência surge a necessidade de um intermediário a resolver o conflito existente sem traumas para a parte perdedora, e será perdedor todo aquele que não tiver sua ambição plenamente satisfeita, uma vez que não encontrando a satisfação que buscava, também não encontrará a felicidade. A esse método de resolução de conflitos chamamos de Justiça. De tal forma, a Justiça é o meio-termo encontrado capaz de dar a cada um a felicidade que lhe cabe, segundo as disposições da sociedade e a busca da felicidade comunal.

O motivo de designarmos a Justiça como oposta ao Caos em detrimento da palavra ordem, é porque entendemos que o Caos é ordenado conquanto respeite a primazia do mais forte.

Quando um intermediário, a quem chamamos de juiz, é chamado a resolver um conflito, o seu senso de Justiça deve prevalecer sobre o das partes envolvidas, mas isso é carente de efetividade prática. Um juiz pode não ter o mesmo senso de Justiça que outro. Uma uniformidade do senso de Justiça, então, faz-se necessária de modo a manter a coesão da sociedade, pois do contrário resultaria o Caos, e o Caos como vimos não é desejável. A essa uniformidade chamamos de Direito.

Direito e Moral:

Identificamos que a convivência em sociedade leva a dois cenários possíveis: um em que as pessoas são donas do próprio destino e respeitando apenas à própria vontade encaminham a sociedade ao Caos, e outro em que as pessoas, apesar de serem donas do próprio destino, respeitam a vontade comunal e encaminham a sociedade à Justiça. Sendo a justiça o embrião do Direito, e, sendo o Direito um conjunto de regras a ditar as decisões dos juízes, passo agora à questão sobre Direito e Moral.

Nem toda disputa de interesses pode ser resolvida mediante a intermediação de um juiz. Isso acontece porque a sociedade não consegue regular todos os aspectos da vida cotidiana. Sendo assim, há casos em que, apesar de ser desejável a presença de um juiz regularmente constituído pela sociedade, isso não acontecerá. Tais conflitos não podem ser deixados ao Caos, mas precisam ser solucionados pela Justiça, e isso aponta a existência de duas Justiças. Uma legal e regularmente consolidada pela sociedade a que chamamos de Direito, e outra cultural e consolidada pelos usos e costumes a que chamamos de Moral. Consequentemente há duas espécies de normas: as normas legais ou jurídicas e as normas morais ou sociais.

A razão de existir da norma é conduzir as pessoas a escolherem e agirem como a sociedade espera que elas escolham e ajam, pois caso contrário a felicidade comunal se torna impossível. Se a pessoa age em desacordo com a norma haverá de ser-lhe aplicada uma sanção.

Direito e Moral são campos distintos que encontram em um meio-termo. De tal forma, há normas puramente morais, normas puramente jurídicas, e normas que são ao mesmo tempo jurídicas e morais. O Direito precisa manter uma relação íntima com a moral, pois apenas a moral é a o reflexo da vontade comunal, e aquilo que é imoral, quando aposto pelo Estado deixa de ser Justiça para se tornar Caos.

Miguel Reale entende, e ratificamos seu entendimento, que nem tudo o que se passa no campo jurídico é de ordem moral. Fora da moral existe o imoral, mas também o amoral, como por exemplo, a norma que prescreve o prazo de resposta para o réu, ou que exige que os veículos obedeçam à mão direita. São preceitos técnicos e amorais.

Quanto às normas legais, cremos que pouco resta a dizer a seu respeito, uma vez que elas guardam sua definição em sua própria origem, bastando ressaltar que são originadas do corpo estatal e suas punições são devidamente regulamentadas pela lei escrita. Em relação às normas morais, todavia, cumpre ressaltar existir uma subdivisão: normas essencialmente morais e normas éticas.

Podemos dizer existir um código ético para cada faceta da sociedade. Assim a medicina possui o seu código ético, bem como as artes, os cultos religiosos, os esportes etc. Às normas éticas pressupõe-se a existência de um código de conduta, não necessariamente escrito, a dizer a cada um o que fazer e como agir, bem como uma punição caso sejam violadas. Assim acontece, por exemplo, quando alguém não respeita os rituais do grupo, sendo grosseiro ou rude, e, por conseqüência é advertido ou rechaçado por seus semelhantes. É importante considerar que em uma escala hierárquica os códigos éticos estão abaixo dos códigos jurídicos.

Às normas essencialmente morais, todavia, não há um código de conduta. Não é possível conceber-se o ato moral forçado. Miguel Reale asseverou: “Só é possível praticar o bem, no sentido próprio, quando ele nos atrai por aquilo que vale por si mesmo, e não pela interferência de terceiros, pela força que venha consagrar a utilidade ou a conveniência de uma atitude”.

Conclusão:

Ao fim dessa investigação preliminar identificamos a felicidade como o bem a que todos almejam naturalmente. Reconhecemos a existência de uma felicidade comunal e a Justiça como única forma de alcançar essa felicidade. Identificamos que a Justiça é representada pela divisão entre Direito e Moral e que a Moral é novamente dividida entre Ética e Moral Essencial.

A obediência aos preceitos de Justiça é a única forma de satisfazer os ímpetos humanos e principalmente o primeiro princípio a que chamamos de busca da felicidade.

Eis, pois, essas considerações preliminares que serão futuramente complementadas, e que sirvam de base a quem se interessar possa.

Bibliografia:

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco.
REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 25ª ed.

Nenhum comentário:

Postar um comentário