terça-feira, 27 de dezembro de 2011

A transição do Estado Policial para o Estado Democrático de Direito

Augusto Burnier

Durante anos o Brasil viveu sob o regime ditatorial do Estado Policial governado pelos militares. Nesse período, prevaleciam sobre a ordem democrática e os direitos individuais a prerrogativa do aparato estatal de fazer o que necessário fosse para o cumprimento de seu dever. O fim da ditadura em 1985 resultou da repúdia do cidadão brasileiro ao modo com que o Estado agia, tendo como corolário a Carta Constitucional de 1988 que se notabilizou por reduzir a liberdade de ação das forças policiais, e consequentemente do Estado, e por dar maior ênfase ao princípio do devido processo legal.

Nesses vinte anos que sucederam a queda do regime militar o país se viu em um cenário onde as liberdades individuais foram ampliadas em detrimento da ação policial. Por anos, os órgãos públicos se viram em uma situação peculiar: privados de seus antigos apanágios e carecedores de credibilidade perante a população. A imagem que se criou foi a de um Estado ineficiente, corrupto, e em total contraste com a modernidade que a abertura política decorrente da queda do regime militar possibilitou ao país.

O modo passional como se deu a transição do Estado Policial para o Estado Democrático de Direito, como aliás se deram todas as reformas políticas brasileiras, deixou transparecer a ilusão de que os problemas nacionais seriam, em pouco tempo, resolvidos.

Os inúmeros casos de corrupção e os recentes escândalos envolvendo as ações policiais demonstram cabalmente a total ineficiência do Estado Democrático de Direito, que, de fato, ainda não foi instaurado no país. As constantes divergências dos três poderes entre si, e desses com o povo, são outra prova irrefutável da fragilidade dos princípios de Direito que deveriam vigorar augustos sobre a nação.

Os legisladores constitucionais pecaram em acreditar que a mera aprovação de direitos seria capaz de possibilitar que o país fosse alçado ao status de “nação de primeiro mundo”. A não educação política do povo brasileiro é o que atrasa o país e permite a impunidade dos corruptos e incompetentes.

Em realidade, o que aconteceu nesses vinte anos não foi a instauração de um Estado moderno e capaz de administrar o patrimônio nacional, onde se inclui o povo brasileiro. O que vem ocorrendo é uma lenta e gradual transição do antigo regime ditatorial para o modelo de Estado que o país pretende adotar. O Estado Democrático de Direito não foi legitimamente instaurado quando da sanção da Carta Constitucional, mas ainda o vem sendo, pouco a pouco, através da modesta evolução do pensamento político do cidadão comum.

Essa transição entre os modelos de governo acentuou-se com a eleição do Presidente Lula, que, vindo de uma minoria, dividiu a opinião pública e realçou o papel da oposição e da participação popular no cenário político brasileiro, avançando o país na direção de uma verdadeira democracia. É óbvio que não se deve deixar de lado a participação das novas gerações e a confirmação do país ao sistema capitalista, que, entre outros fatores, ajudaram a impulsionar o país nesse sentido e fortaleceram a economia nacional.

O ideal democrático que se deseja que permeie pela nação encontra obstáculos difíceis de serem vencidos sem a integral participação da população. As práticas coronelistas, clientelistas, de apadrinhamento, e tantas outras, ainda encontram terreno fértil nessas terras e impedem que essa passagem do Estado Policial para o Estado Democrático de Direito possa ocorrer com maior celeridade.

Em verdade, a melhor definição para o atual estágio do país talvez seja a de Estado Oligárquico Populista, se for possível tal concepção. Não é preciso uma observação cuidadosa para se concluir que o país encontra-se, hoje, em uma analogia do sistema político que vigorava nos tempos do “café com leite”, em que os eleitos usam dos privilégios do cargo para se perpetuarem no poder ou para revezarem-se entre os seus.

Há no Brasil, como há em todos os países, um nefasto jogo de interesses, a desvantagem brasileira reside no fato de que o cidadão comum, despido de conhecimento, força, e de ânimo para fazer frente à desmedida burocracia, sai sempre como perdedor.

A legislação brasileira, que está longe de ser uniforme, encontra-se dispersa entre as mais variadas leis, emendas, regulamentos, portarias etc. E isso, talvez, seja o que mais prejudique a esperada evolução nacional. Cumulada com outras práticas tão comuns em nosso país, mas nem por isso corretas, o que se conclui é que essa transição está longe de acabar, ainda mais quando o Estado procura suprir sua falha com a criação de mais leis e regulamentos que ao invés de solucionarem os problemas do país acabam tendo como conseqüência o efeito oposto.

Tentar erradicar tais práticas, não somente requereria um esforço hercúleo, mas, também, mostrar-se-ia como uma tentativa vã de se criar uma utopia. O que se procura não é sua erradicação, apesar de ser essa desejada, mas sim, uma diminuição a patamares ínfimos, ou ao menos aceitáveis, que permitam seu controle e sua punição na melhor forma de Direito, característica intrínseca à idéia de Estado Democrático de Direito que o Brasil diz ser. Para isso não faltam leis, reformas ou contratações, mas bom senso, civismo e um verdadeiro espírito de justiça.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Direito e Moral em Miguel Reale

“Não é possível tratar aqui de todas as doutrinas que têm procurado determinar o conteúdo do bem. Alguns autores prendem-se à linha do pensamento clássico, concebendo o bem como felicidade, ou seja, como a realização daquilo que postula a plenitude do ser e, como tal, a harmonia do indivíduo consigo mesmo. De maneira geral, poder-se-ia dizer que, em tal caso, o bem é aquilo a que o homem tende por natureza, graças ao que representa em seu espírito a nota dominante ou o elemento fundamental, que é a razão. Viver segundo a natureza é viver segundo a razão.”

“Outros autores reduzem o bem à noção do útil, ou do economicamente apreciável, ou, então, à satisfação dos valores mais imediatos da existência.”

“Se nos colocarmos no ponto de vista do conteúdo, haverá tantas concepções do bem quantas as expressões axiológicas fundamentais, porquanto o poeta dirá que seu bem consiste na realização dos valores estéticos, enquanto o homem de negócios traduzirá seu ideal em algo de mensurável e vital.”

“Superando, no entanto, as divergências particulares de conteúdo, fica sempre de pé a noção de que bem é aquilo a que todo homem tende, de conformidade com as suas inclinações naturais, desde que a forma de agir de cada um seja condição do agir dos demais numa unidade concreta e dinâmica entre as partes e o todo.”

“Não basta que, ao procurar o bem que nos atrai, não causemos dano a outrem, consoante concepção individualista e cômoda que consagra o isolamento ou a autonomia de cada homem como centro de uma trajetória social indiferente à sorte dos demais. Já o dissemos e vale a pena repetir: o homem deve ser apreciado segundo o prisma do indivíduo, e segundo o prisma da sociedade em que ele existe. São duas formas ou maneiras fundamentais de apreciar-se o problema do bem, marcando, efetivamente, dois momentos de um único processo, visto como a colocação de um envolve, necessariamente, a colocação do outro. É nesse sentido que podemos distinguir, mas não separar, o estudo do bem em duas grandes órbitas: a do bem enquanto individual e a do bem enquanto social. A Moral estuda o bem enquanto individual, ou seja, polarizando tudo em relação ao problema do indivíduo, enquanto que o Direito põe a tônica, o acento caracterizador, sobre aquilo que é social.”

“Advertimos logo que nem o Direito descuida daquilo que é próprio do indivíduo, nem tampouco a Moral é cega no que tange ou cabe ao todo. Sabemos que existe a Moral Social, que cuida dos deveres do indivíduo enquanto indivíduo para com o todo. Por outro lado, o jurista não descuida do problema do indivíduo, nem muito menos ignora a importância decisiva que o elemento intencional e subjetivo representa na experiência do Direito.”

“Poder-se-ia dizer que a Moral cuida, de maneira direta, imediata e prevalecente, do bem enquanto individual, e que o Direito se preocupa de maneira direta, imediata e prevalecente, do bem enquanto do todo coletivo, isto é, do bem comum ou justiça.”

Para Miguel Reale, a categorização dos conceitos parte do gênero Ética que contém em si a Moral e o Direito, dividindo a Moral entre Moral individual e Moral social. Optamos por categorizar o conceito de Justiça como gênero, de onde surgem as espécies Direito e Moral, dividindo a Moral entre Ética e Moral individual.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Princípios constitucionais de Direito Agrário

Augusto Burnier


Introdução:

Definida a questão agrária, investigo os princípios que operam na atual Constituição.

Princípios constitucionais:

A Constituição Federal vigente como constituição-programa representou um amadurecimento da legislação nacional face aos direitos fundamentais e recebeu o epíteto de Constituição Cidadã quando de sua promulgação. Não há dúvida ser a Constituição Federal a principal fonte do direito agrário brasileiro. Dela se extrai o objeto, os princípios e os principais institutos da disciplina.

Não se confunda os princípios constitucionais de Direito agrário com o conteúdo normativo da questão agrária. Enquanto este se restringe fundamentalmente de modo a alargar sua abrangência, aqueles se alargam para poderem restringir seu objeto, por isso que “os princípios de Direito agrário podem ser encontrados não somente do Capítulo III, [...] da Constituição Federal vigente, mas sim, e isto decorre da complexidade da matéria agrária, espalhados no texto constitucional”.

Da leitura do texto constitucional resta evidente a garantia à inviolabilidade do direito à propriedade e do próprio direito de propriedade atendida a função social. Ademais, tanto a propriedade quanto a função social são princípios da ordem econômica. Isso significa que o regime econômico adotado pelo país é o capitalista, mas que o Estado não adota a posição não-intervencionista característica dos Estados liberais. Para o Direito agrário isso é de suma importância, pois é a intervenção estatal que possibilita a política de reforma, visto ser o Estado detentor do monopólio sobre o uso da força.

Marques identifica como princípios de direito agrário:

1.º) o monopólio legislativo da União (art. 22, I, CF); 2.º) a utilização da terra se sobrepõe à titulação dominial; 3.º) a propriedade da terra é garantida, mas condicionada ao cumprimento da função social; 4.º) o Direito Agrário é dicotômico: compreende política de reforma (Reforma Agrária) e política de desenvolvimento (Política Agrícola); 5.º) as normas jurídicas primam pela prevalência do interesse público sobre o individual; 6.º) a reformulação da estrutura fundiária é uma necessidade constante; 7.º) o fortalecimento do espírito comunitário, através de cooperativas e associações; 8.º) o combate ao latifúndio, ao minifúndio, ao êxodo rural, à exploração predatória e aos mercenários da terra; 9.º) a privatização dos imóveis rurais públicos; 10.º) a proteção à propriedade familiar, à pequena e à média propriedade; 11.º) o fortalecimento da empresa agrária; 12.º) a proteção da propriedade consorcial indígena; 13.º) o dimensionamento eficaz das áreas exploráveis; 14.º) a proteção ao trabalhador rural; e 15.º) a conservação e preservação dos recursos naturais e a proteção do meio-ambiente.

Tais princípios abrangem com eficácia o norteamento do direito agrário, todavia, não são exclusivamente constitucionais. Oliveira identificou e registrou onze princípios constitucionais de Direito agrário, sendo tais os princípios:

a) da função social na propriedade rural:

O princípio constitucional da função social da propriedade rural é, sem oscilação alguma, o vértice do Direito agrário, pois, com a sua expressa inserção reiterada no texto da Constituição Federal, dá-se a flexibilização do direito de propriedade privada, onde o seu reconhecimento em favor do proprietário passa a estar subordinado à satisfação do interesse coletivo na sua boa e útil exploração. [...] A violação dos direitos do trabalhador rural é vista como uma violação da própria função social da propriedade. [...] Em decorrência desse princípio, a proteção possessória só pode ser deferida ao proprietário ou possuidor, este seja autor ou réu, se comprovado o atendimento dos requisitos da função social da propriedade;

b) da preservação do meio ambiente:

A preservação do meio ambiente, embora requisito do próprio cumprimento da função social, erige-se em princípio autônomo, considerando a natureza da atividade agrária, sempre muito impactante, a exigir a efetivação da determinação constante do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama 001/86);

c) da desapropriação para fins de reforma agrária como aspecto positivo da intervenção do Estado:

Como aspecto positivo da intervenção do Estado na propriedade privada, temos como princípio constitucional de Direito agrário a desapropriação para fins de reforma agrária. Nessa hipótese, se o imóvel for improdutivo ou não estiver cumprindo sua função social, ou ainda, mesmo sendo produtivo, não estiver cumprindo os requisitos do art. 186, incs. I a IV, deve ser desapropriado para que se possa condicionar a exploração da terra á satisfação do interesse da coletividade, especialmente por meio de assentamentos de trabalhadores rurais. [...] A desapropriação de imóveis para fins de reforma agrária pode incidir também em casos de imóveis rurais arrendados, pois, se a conduta do arrendatário é infringente dos postulados da função social, o proprietário deve arcar com ônus em função da culpa in eligendo ou in vigilando;

d) da vedação da desapropriação do imóvel rural produtivo e da pequena e da média propriedade rural:

Como aspecto negativo da intervenção do Estado na propriedade privada, temos a conduta de abstenção consubstanciada no princípio da vedação da desapropriação do imóvel rural produtivo e da pequena e da média propriedade rural, extraído do art. 185, incs. I e II, da Constituição Federal. Não obstante, o imóvel produtivo pode ser objeto de desapropriação caso não esteja cumprindo com sua função social, pois da tensão entre o disposto neste artigo em confronto com os arts. 184 e 186, incs I a IV, chega-se a essa interpretação. Por outro lado, a pequena e a média propriedade não podem, em hipótese alguma, ser desapropriadas, desde que seu proprietário não possua outra;

e) da impenhorabilidade da pequena propriedade rural:

O princípio da impenhorabilidade do imóvel rural está previsto de forma específica no art. 5º, XXVI, da Constituição Federal. Deve-se, para a aplicação do referido dispositivo, editar-se lei específica que defina o que vem a ser pequena propriedade rural para esta finalidade. Não obstante, enquanto não for definida a área que não poderá se objeto de penhora, o parâmetro a ser adotado é o do conceito de propriedade familiar previsto no Estatuto da Terra;

f) da privatização das terras públicas:

A privatização das terras públicas é princípio constitucional que deflui do art. 188, §§ 1º e 2º da Constituição Federal, e está a sinalizar que o Pode Público deve concentrar seus esforços na destinação de suas terras devolutas para fins de reforma agrária, pois o custo ao erário, nessas hipóteses, é bem inferior ao da expropriação de terras particulares para a mesma finalidade;

g) da segurança na atividade agrária:

Com especial destaque, surge o princípio da segurança na atividade agrária, extraído do art. 187, incs. I, II, e V, o qual direciona a conduta estatal no sentido de oferecer o mínimo de garantia para o exercício da atividade agrária, sempre sujeita à influência de fatores da natureza que podem eventualmente comprometer o seu resultado e com isso levar à ruína do agropecuarista;

h) do aumento da produtividade:

O aumento da produtividade é princípio constitucional, presente nos incs. III, IV, VI e VII do art. 187, da Constituição Federal, e recomenda a adoção de medidas que resultem em investimentos mais robustos na pesquisa de novas tecnologias para dar solução a problemas da agricultura e pecuária, tais como a incidência de pragas e outros fenômenos naturais que comprometem a qualidade e a quantidade dos produtos;

i) do estímulo ao cooperativismo:

O princípio do estímulo ao cooperativismo agrário está entrelaçado com o do aumento da produtividade, e é decorrente de diversas disposições constantes do texto constitucional (arts. 5º, incs. XVIII, XIX, XX e XXI, 146, inc. III, alínea “c”, 174 e 187, inc. VI) que denotam a preocupação do legislador constituinte em propiciar essa extraordinária forma de organização atividade econômica. [...] O cooperativismo deve ser a estratégia tônica do Poder Público especialmente em projetos de assentamentos, pois resulta em aumento qualitativo e quantitativo da produção agropecuária, bem como na própria eficiência da atividade agrária;

j) da melhoria da qualidade de vida no campo:

O princípio da melhoria da qualidade de vida no campo é presente implicitamente em praticamente todas as regras constitucionais que versam sobre a matéria agrária, mas a que mais denota sua presença é a prevista no art. 187, inc. VIII, onde está antevisto que a habitação para o trabalhador rural deve ser uma preocupação na formulação da política agrícola. Isso é uma das providências cujo escopo é fixar o homem no campo e até mesmo contribuir para o movimento migratório da cidade para o campo, o êxodo urbano;

k) da primazia da atividade agrária frente ao direito de propriedade:

Por fim, o princípio da primazia da atividade agrária em face do direito de propriedade, o qual não é só manifestado na previsão da desapropriação para fins de reforma agrária, mas sim, também pela previsão do usucapião constitucional pro labore no art. 191, caput, da Constituição Federal.

Os preceitos sociais da questão agrária coadunam-se aos princípios constitucionais do direito agrário. Com efeito, os aduzidos princípios integram-se à questão agrária, fazendo parte de seu bojo. Veja-se que a problemática da questão agrária encontra seu desiderato na principiologia aqui apresentada.

Conclusão:

Percebe-se a preocupação do constituinte em buscar a emancipação do campesino e o desenvolvimento agrário. O princípio da função social, que encabeça a luta do Direito agrário, mostra-se completo por contemplar tanto a saúde do imóvel, quanto dos proprietários, vizinhos, trabalhadores, meio ambiente e toda a sociedade. Também, o incentivo ao aumento da produtividade e às práticas cooperativistas, bem como a busca da melhor qualidade de vida no campo, e demais princípios, mostram-se perfeitamente cabíveis à solução da questão agrária, conquanto possibilitem a integralização de indivíduos à estrutura agrária.

Observação: Este texto é o item 3.1. da monografia apresentada como trabalho de conclusão de curso de minha graduação em Direito. A íntegra do trabalho encontra-se nos arquivos da Universidade de Itaúna.

Bibliografia:

MARQUES, Benedito Ferreira. Direito agrário brasileiro. 6. ed. rev. atual. e amp.
OLIVEIRA, Umberto Machado de. Princípios de direito agrário na Constituição vigente.

A questão agrária

Augusto Burnier


Introdução:

A questão agrária é tema de profundidade ímpar por serem os produtos agrários essenciais à condição humana por natureza. O campo é mercado de trabalho primário e básico, nele o ser humano se assenta com naturalidade e desenvolve seu espírito de forma primitiva. Atualmente, o cultivo de alimentos e congêneres encontra-se sofisticado pela tecnologia mecânica e de administração. Todavia, há um hiato entre o espaço agriculturável que alimenta as massas humanas principalmente no que concerne à disponibilidade de terras disponíveis ao assentamento humano. No Brasil, tal hiato é pronunciado por variáveis diversas, o que provoca descontentamento e desigualdade social.

A questão agrária:

Influencia a mentalidade jurídica dos povos a contínua transformação socioeconômica que atravessa o mundo globalizado principalmente com a derrocada dos pensamentos socialistas e liberais, o que se percebe pela contínua evasão do direito civil, nomeadamente com a crescente autonomia do direito agrário, ramo jurídico que ultrapassa a divisão basilar entre Direito público e privado.

A adaptação da vida moderna aos sistemas de produção somada ao comércio globalizado do novo milênio propugna por uma correta avaliação deontológica entre Estado e sociedade. Não se admite a figura do Estado como mantenedor da Economia e agora, tampouco, se o admite totalmente à ilharga desta.

Aos fatos sociais que resultam das relações sociais subsegue-se um processo valorativo que resultará na criação da norma. Assim, tendo-se que as situações de fato são passíveis de mudança através do tempo, a aplicação de normas anacrônicas resultará na aplicação de um processo valorativo em descompasso com a realidade.

O estudo da questão agrária parte de seu pressuposto principiológico para encontrar na Constituição o comando imperativo a conduzir a sociedade na solução de seus problemas agrários.

Define-se como questão agrária a necessidade de se encontrar uma solução estável entre o descompasso jurídico e a realidade fática, entre os deveres do Estado e da sociedade. Delimita-se como agrário, por ora, tudo o que se refere ao campo, à lide do interior, da roça, do mato, da fazenda, da foice e da enxada no eterno labutar do homem com a terra. O agrário da questão agrária não se confunde com o elemento agrariedade. Conforme aduzido adiante, aquele elemento carrega um sentido generalizado frente a este, mais restrito.

O setor agrícola de uma economia em processo de industrialização deve cumprir duas ordens de funções:

a) suprir, na quantidade e nas especificações necessárias, os bens agrícolas de que carece o sistema, consideradas as necessidades do seu comércio exterior;

b) liberar, reter ou mesmo reabsorver mão-de-obra, conforme as circunstâncias, de acordo com as necessidades das próprias atividades agrícolas e as dos demais setores do sistema econômico.

A questão agrária, então, é a problematização do caráter econômico da terra. A terra produtível é objeto de conflito no território nacional por uma falha de sinal entre oferta e demanda tanto dos produtos agrários, quanto da mão-de-obra e da própria terra. Inúmeros são os causadores de falha na comunicação entre a oferta da terra brasileira e a demanda dos trabalhadores, como, por exemplo, os latifúndios e as aquisições para especulação.

“Os problemas próprios ou propriamente agrários da presente crise agrária brasileira são as anomalias concomitantes, verso e reverso da mesma medalha, da superprodução agrícola e da superpopulação rural”. Problemas que, identificados na década de 60, ainda perduram no cenário agrário brasileiro.

Conclusão:

Conclui-se que o mecanismo de produção agrária brasileiro, por razões diversas, encontra-se em descompasso. Dissonância que causa desigualdade social e insatisfação popular, a questão agrária é problema enraizado na sociedade e ajudou a formar a cultura brasileira. A resolução da questão deve atravessar os setores responsáveis, o que solidificará a estrutura produtiva brasileira e a paz social. Não é dever do Estado tomar para si a tarefa de alocar toda a população e gerenciar a movimentação de riqueza, o que seria tarefa de um Estado socialista, mas tão somente corrigir tal falha de sinal.

Observação: Este texto é o item 1. da monografia apresentada como trabalho de conclusão de curso de minha graduação em Direito. A íntegra do trabalho encontra-se nos arquivos da Universidade de Itaúna.

Bibliografia:

COTRIM, Gilberto. História global: Brasil e geral. 6. ed. reform.
RANGEL, Ignacio. A questão agrária brasileira.